Engraçado, tímido,
agressivo, egoísta, inteligente. Um caldeirão de influências forma a sua
personalidade.
A genética determina o
comportamento? Os pais influenciam a personalidade dos filhos? As amizades influenciam? O estilo de educação importa? Por que os irmãos são tão
diferentes?
É possível mudar nosso jeito de ser?
As irmãs
iranianas Laleh e Ladan Bijani tinham exatamente os mesmos genes e viveram
juntas todas as experiências da vida. Nascidas gêmeas idênticas e siamesas,
ligadas pela cabeça, permaneceram 29 anos grudadas. Morreram em 2003, na
cirurgia que as separou. Mesmo sabendo dos riscos da operação, elas toparam o
desafio só pela oportunidade de viver separadas. ?Somos dois indivíduos
completamente distintos que estão grudados um no outro?, disse Ladan em uma
entrevista antes da cirurgia. ?Temos visões de mundo diferentes, estilos de
vida diferentes e pensamos de modo muito diferente sobre os assuntos.? Laleh
queria se mudar para Teerã e se tornar jornalista, enquanto Ladan planejava
ficar em sua cidade natal e praticar advocacia. Uma era mais graciosa; a outra,
mais fechada.
A individualidade humana é um mistério: somos todos diferentes uns
dos outros, e isso acontece até mesmo com gêmeas idênticas como Laleh e Ladan,
que carregam o mesmo DNA e foram educadas do mesmo jeito. A ciência moderna
tenta há séculos explicar a intrincada malha que forma o nosso comportamento.
Nessa corrida, há filósofos, psicólogos, neurocientistas, geneticistas e até
literatos. No livro Notas do Subterrâneo, o escritor russo Fedor Dostoiévski
zomba de quem acredita que ?a ciência explicará ao homem que ele nunca teve
vontade, nem caprichos e que não passa, em suma, de uma tecla de piano, de um
pedal de órgão?.
Dostoiévski mostra que o nosso jeito de ser não é só uma questão
de curiosidade pessoal. O que cientistas ou escritores estudam sobre a origem
da personalidade geralmente cria novos modos de ver o mundo, códigos morais e
sistemas políticos. No século 17, o filósofo inglês John Locke formulou a
metáfora da tabula rasa, segundo a qual somos uma espécie de folha em branco
que é preenchida no decorrer da vida. O princípio de Locke foi essencial para a
criação de pilares da política moderna, como a Declaração dos Direitos
Universais do Homem, de 1776, ou o socialismo. Afinal, se todos os homens
nascem iguais, então merecem os mesmos direitos e oportunidades. No século 20,
o líder comunista chinês Mao Tsé-tung, na tentativa de reformar radicalmente o
homem chinês, cita a tábula rasa no seu Livro Vermelho, falando de folhas em
que ?as personalidades mais novas e mais bonitas podem ser escritas?. Já a
idéia oposta à tabula rasa, de que pessoas e etnias nascem mais dotadas que
outras, fundamentou projetos de engenharia social e genocídios como o
Holocausto judeu.
Nas últimas décadas, o debate ganhou o nome de nature x nurture:
no primeiro time, está quem coloca na natureza a raiz da nossa personalidade;
no segundo, quem acha que o ambiente é o grande definidor. Hoje, essa polêmica
deu lugar a uma cooperação, com os dois lados trabalhando juntos para desvendar
a individualidade. Dessa união, estão saindo muitas das respostas novas e mais
precisas das principais questões sobre o comportamento humano.
A genética determina o
comportamento?
Não. O nosso DNA possibilita e favorece determinados tipos de
comportamento, mas não determina nada. ?Os genes não restringem a liberdade
humana ? eles a possibilitam?, diz Matt Ridley, autor do livro O Que Nos Faz
Humanos, em um artigo para a revista New Scientist. ?A genética não é um
destino, não determina o que você vai ser. Ela oferece predisposições. Todos estão
sujeitos a influências ambientais que podem, sim, mudar a expressão dos genes e
fazer com que eles simplesmente não se manifestem?, diz André Ramos, diretor do
Laboratório de Genética do Comportamento da Universidade Federal de Santa
Catarina.
Traços de personalidade são idéias, conceitos culturais: dependem
dos olhos de outros e da cultura de um lugar e de uma época para aparecerem e
ganharem um nome. O que é inteligência, pedofilia, má-educação ou timidez no
Brasil pode ganhar nomes bem diferentes no Japão, por exemplo. Por isso, não dá
para encontrar a personalidade pura no DNA. Mas a nossa herança genética pode,
sim, influenciar o funcionamento do corpo, que, numa cultura ou em outra,
resulta em comportamentos diferentes.
Ao nascer, cada ser humano carrega uma composição de 30 mil a 35
mil genes, formações de DNA que ficam ali dentro dos nossos 23 pares de
cromossomos. As principais descobertas dos geneticistas do comportamento
relacionam os genes à regulação de mecanismos fisiológicos que mudam o comportamento,
como impulsividade, vício de determinadas substâncias e memorização. Há
indicações, por exemplo, de diferenças genéticas na regulação da dopamina,
neurotransmissor relacionado à sensação de prazer. Em algumas pessoas, a
cocaína provocaria uma descarga anormal de dopamina, causando vício. ?É
provável que esse medidor químico sofra uma deficiência natural e, portanto,
alguns indivíduos sejam mais suscetíveis a se viciar em cocaína?, dizem os
pesquisadores Howard S. Friedman e Miriam W. Schustack, autores de Teorias da
Personalidade.
Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria de Londres, divulgada no
ano passado, mostra como o comportamento pode ser afetado por uma interação
entre genes e ambiente. Ele teve acesso a um estudo que acompanha desde 1972 a
saúde física e mental de mais de 1 000 pessoas desde o nascimento. Descobriu
que homens maltratados na infância tinham uma probabilidade 10 vezes maior que
os demais de cometer crimes violentos desde que, além de terem sofrido
maus-tratos, possuíssem pequena atividade da enzima MAOA do cromossomo X, que
permite níveis elevados de serotonina. No total, 85% dos homens maltratados na
infância e cuja MAOA é pouco ativa exibiram comportamento violento ao longo da
vida. Entre os que possuíam a forma muito ativa, os maus-tratos não aumentaram
o comportamento violento.
Outro exemplo é o gene FOXP2, no cromossomo 7, isolado
recentemente pelo Centro de Genética Humana da Fundação Wellcome, no Reino
Unido. Mutações nesse gene causam deficiências específicas de linguagem ? ele
parece ser necessário para o desenvolvimento da fala. ?Ele permite que a mente
humana absorva, a partir das experiências vividas na 1ª infância, o aprendizado
necessário para falar?, afirma Matt Ridley. Com problemas de fala, é mais fácil
para a criança desenvolver traços como a timidez.
A composição genética tem ainda efeitos indiretos, que acabam
influenciando até o comportamento dos pais. É que, por mais que digam o
contrário, os pais variam a forma de tratamento conforme o filho. Crianças
alegres, que sorriem e olham nos olhos dos pais, costumam deixá-los gratos e
mais carinhosos. Segundo uma pesquisa de 1994 feita pela Universidade da
Pensilvânia, alguns autistas ? que não costumam olhar nos olhos ou expressar
emoções ? têm, por isso, pais indiferentes e um pouco frios. Outro exemplo é a
beleza das crianças. Se a composição genética faz uma criança ser considerada
bonita, ela terá mais chances de ser o centro da atenção dos pais. E isso
influenciará sua personalidade.
Os pais influenciam a personalidade
dos filhos?
Sim, mas a influência é imprevisível. Desde os primeiros estudos
de Sigmund Freud, e até antes deles, os pais são tidos como os agentes mais
importantes na criação de uma pessoa. São os primeiros a conter o que há de
animal em nós, nos ensinando a controlar desejos em nome de regras morais,
castigos e convenções da civilização. Com essa premissa, Freud foi, ao lado de
Darwin, um dos grandes pensadores do século 19 a abalar a idéia de Deus,
mostrando que as noções de pecado e culpa são transmitidas pelos pais e podem
ser a causa de vários dos nossos problemas. Do conflito entre os nossos desejos
e culpas, sairiam traços de personalidade (como a timidez, a vergonha),
recalques inconscientes e fraquezas que nos acompanham vida afora. Freud vai
mais longe: para ele, o jeito com que meninos e meninas lidam com a figura do
pai e da mãe é essencial para definir a sexualidade da pessoa.
Mas as idéias do austríaco fomentaram tantas generalizações
grosseiras e técnicas furadas de educação (veja na página 54) que hoje, fora
dos círculos de psicanalistas, estão cada vez mais desacreditadas ? e o pai da
psicanálise é considerado mais um filósofo que propriamente um cientista. O que
não quer dizer que ele deva ser descartado.
Até o ponto que a genética permite, um bebê recém-nascido é como
um molde de argila flexível. O que ele aprender, ver, ouvir, sentir será
armazenado no cérebro e irá compor a maneira como agirá no futuro. Ao nascer,
vai demorar meses até conceber idéias básicas, como a de ser distinto das
coisas ao redor. Aos poucos, porém, vai se dar conta de que consegue mover
algumas dessas coisas ? seus braços e pernas ? e que outros seres fazem o
mesmo. Assim, a partir do outro, o bebê começa a ter a noção de eu, de que é um
indivíduo.
Conforme interage com os adultos, a criança se molda ao mundo em
que nasceu. Se os adultos ao redor forem lobos ou cavalos, passará a vida toda
uivando ou relinchando e bebendo água com a língua, como aconteceu como o
?Selvagem de Aveyron?, garoto encontrado na França em 1799 que viveu a infância
isolado na floresta e por volta dos 12 anos trotava, farejando e se alimentado
de raízes. Ou então as indianas Kamala e Amala, dos anos 20. Acolhidas por
lobos quando recém-nascidas, elas andavam de quatro, tinham horror à luz e
passavam a noite uivando.
Entre lobos ou humanos, a criança aprende o que pode ou não fazer.
Percebe que, ao chorar mais alto, a mamadeira vem mais depressa. Portanto, vale
a pena ser manhosa, pelo menos de vez em quando. Quando joga um objeto no chão,
é repreendida pela mãe e ganha uma bela bronca. Também começa a diferenciar
sentimentos: o que achava ser dor, começa a receber nomes diferentes como
?fome?, ?ciúme?, ?medo?. ?As sinapses cerebrais são construídas a partir das
relações externas. Sem interação com o outro, não há personalidade?, afirma
Benito Damasceno, neurologista e professor de neuropsicologia da Unicamp.
E os ?outros? mais importantes dos nossos primeiros anos são os
pais. Com eles, exercitamos uma das nossas grandes capacidades inatas: a de
imitar. Os pais servem de referência para estabelecermos padrões de sentimentos
e atitudes ? o filho que imita o pai se barbeando também conhece com ele jeitos
de se relacionar com as mulheres, modos de regular o tom de voz e até
preferências intelectuais.
Prova disso é um estudo citado no livro Freaknomics, de Steven
Levitt e Stephen Dubnere, realizado no ano de 1991 com 20 mil crianças
americanas até a 5ª série. O estudo tentou relacionar o desempenho escolar das
crianças com o perfil dos pais e a convivência de todos em casa. Descobriu que
as boas notas não estão relacionadas àquilo que os pais fazem ? se mandam os
filhos ler ou lêem para eles antes de dormir ?, mas ao que eles são: se têm o
hábito de ler para si próprios, se têm livros em casa e se são bem instruídos.
?Nos primeiros anos, o filho se identifica com quem faz o papel de
pais e passa muito tempo copiando suas ações?, diz Eloísa Lacerda,
fonoaudióloga e psicanalista da PUC-SP especializada na 1ª infância. Talvez se
explique assim o caso do filho que passa a infância apanhando e, quando adulto,
vira um pai igualmente agressivo. A mesma teoria serviria também para explicar
o contrário: o filho que, em alguns pontos, se torna o contrário dos pais. É
que eles podem servir de referência de traços aos quais reagimos. Assim os
psicólogos explicam a família do casal que passa as noites brigando e tem um
filho do jeito oposto ? tranqüilo e pacificador.
O problema é que, se explicam muito bem a raiz das motivações de
uma pessoa em particular, essas teorias não servem para montar leis gerais da
natureza. Vale a regra do ?cada caso é um caso?, que nem sempre é comprovada
por estatísticas. Além disso, o convívio com os pais é só uma etapa do
desenvolvimento. Em casa, a criança cria ferramentas que poderá desenvolver ou
não quando passar por outro desafio: a busca para ganhar destaque entre seus
iguais.
As amizades influenciam?
Muito mais do que imaginamos. Em 1998, a psicóloga americana
Judith Rich Harris causou uma revolução nas teorias da personalidade ao afirmar
que o convívio com os pais é só um dos fatores que influenciam a personalidade
dos filhos ? e um dos menos importantes. No livro Diga-me com Quem Anda..., ela
fala que as relações horizontais dos 6 aos 16 anos ? da criança com seus pares,
o grupo de amigos da escola ou da vizinhança ? são o grande definidor da
personalidade adulta.
Para fundamentar o que diz, Judith Harris recorre aos 6 milhões de
anos de evolução dos humanos. Durante esse tempo, os seres humanos que mais
deixaram descendentes foram os que se acostumaram a andar em bando e
conseguiram ter uma boa posição dentro dele. Quanto mais valiosos dentro do
grupo, mais descendentes geravam. Do grupo dependia a sobrevivência e, depois
da morte, a sobrevivência dos descendentes. Essa história evolutiva, para
Judith Harris, resultou num cérebro sedento por relações gregárias e
classificações que diferenciem um grupo de outro e os membros entre si.
Hoje, essa herança da seleção natural funciona assim: ao se
identificar com um pessoal, a criança tende a agir conforme as regras internas
daquelas pessoas, tentando encontrar um papel que lhe renda uma boa posição
entre os membros. De certa maneira, estaria tentando realizar sua missão na
Terra: ganhar a proteção do mesmo sexo, para não ser atacado, e atrair o
oposto, para se reproduzir. ?A identificação com um grupo, e a aceitação ou
rejeição por parte do grupo, é que deixam marcas permanentes na personalidade?,
afirma Judith Harris. Para ela, é assim que o gordinho da turma vira o gordinho
engraçado: ele usa o humor para conquistar atenção. Assim se explicaria também
a garota mais bonita da sala que não se preocupa em desenvolver a inteligência
? a beleza já a destaca.
O principal exemplo usado pela psicóloga são os filhos de
imigrantes. Apesar da língua, da religião e dos costumes que os pais tentam
transmitir, a criança os ignora facilmente quando começa a ter contato com
amigos do novo país. Aprende o idioma de uma hora para outra e, em poucos anos,
se parece muito mais com os amigos que com os pais.
Outro exemplo é uma pesquisa com panelinhas de estudantes
americanos por volta dos 12 anos. O psicólogo Thomas Kindermann descobriu que
crianças de um mesmo grupo tinham notas e atitudes parecidas na escola. Se
fizer parte de um grupo em que o desempenho escolar é importante, a criança se
estimula a ter melhores notas. Se não conseguir, é provável que vá para outra
panelinha, dos esportistas, por exemplo, que não consideram as notas uma coisa
superlegal.
A teoria de Judith explicaria por que pais normais, que seguiram
sempre as regras da boa educação, deparam com um filho criminoso. Talvez nossos
avós não estivessem errados ao se preocupar tanto com as más companhias. A
teoria também tem uma conseqüência aterradora: de que a educação teria
pouquíssimo efeito sobre os filhos. Eles não se tornam o que os pais querem que
sejam ? mas o que os amigos querem. Se é assim, então como educar os filhos?
O estilo de educação importa?
Pouco. Traços de personalidade dependem de diversos fatores e são
dificilmente previsíveis. Por isso, estudantes de um colégio militar não se
tornam necessariamente adultos metódicos, e os de um colégio liberal não ficam
mais criativos. Também não há comprovação científica de que impor limites
rígidos previne que o filho seja um adolescente infrator.
Dizer que o estilo de educação importa pouco na personalidade deve
fazer psicopedagogos e professores estremecer. Mas a afirmação pelo menos livra
os pais de tanta culpa e responsabilidade pelo destino dos filhos. Notícias de
adolescentes de classe média que ateiam fogo a mendigos ou espancam empregadas
costumam ver acompanhadas de críticas ao pais. A idéia por trás dessa opinião é
que os pais são responsáveis pela personalidade e por todos os atos dos
descendentes.
Os primeiros estudiosos a culpar os pais pela educação dos filhos
foram os psicólogos behavioristas. Eles adaptaram as idéias de Freud sobre o
papel dos pais e criaram sistemas de educação baseados em estímulos e
respostas. O psicólogo John Watson, famoso no começo do século 20, chegou a
dizer que conseguiria fazer de qualquer criança um médico ou artista de sucesso
se pudesse aplicar na ?cobaia? um sistema contínuo de estímulos e respostas. De
pensadores como Watson, veio a idéia, comum hoje em dia, de que uma
personalidade bem formada é resultado de uma educação de recompensas e
punições.
Essa idéia embala centenas de livros com fórmulas mágicas para
transformar crianças em adultos simpáticos, bonitos, bem-sucedidos e livres das
drogas. E resulta em pais que se sentem despreparados para criar filhos bem
formados. Mas não é preciso ser perfeito para ter filhos, sobretudo porque,
como você viu acima, os pais não determinam o destino das crianças e a
influência deles é imprevisível. Muitos dos adolescentes que engravidam cedo,
se afundam em drogas ou espancam empregadas receberam a mesma educação de
jovens que andam na linha ? às vezes, os próprios irmãos. Casos assim mostram
que seres humanos não são robôs que podem ser programados pelos pais ou por
pedagogos.
É importante, porém, não confundir pouca influência com nenhuma
influência. ?Muitos pais hoje em dia acham que devem agir como amigos. Mas a
autoridade e a hierarquia precisa existir, para que se transmita o que é certo
ou errado?, diz Eloísa Lacerda, da PUC-SP. Também é bom que os pais fiquem
atentos ao relacionamento do filho com os amigos ? se ele for sempre a vítima
do grupo, sempre humilhado pelos colegas, talvez seja o caso de trocar de
escola ou incentivá-lo a se relacionar com outras crianças. ?Ao morar num
bairro e não em outro, os pais podem aumentar ou diminuir o risco de que os
filhos venham a cometer crimes, sejam expulsos da escola, usem drogas ou
engravidem?, afirma Judith Harris em Diga-me com Quem Anda...
Por que os irmãos são tão
diferentes?
Ninguém sabe exatamente. As irmãs siamesas Ladan e Laleh, do
começo desta reportagem, são um exemplo de que nem o ambiente nem a biologia
conseguem explicar completamente a personalidade. O caso delas mostra que o lar
é um fator importante para fazer irmãos se diferenciar entre si. Uma pesquisa
da Universidade de Minnesota descobriu que gêmeos idênticos são mais parecidos
quando criados em ambientes separados. Você já deve ter ouvido histórias de
gêmeos separados no nascimento que se reencontram 40 anos depois e descobrem
que ambos compraram carros azuis, adoram feijoada e jogam xadrez muito bem.
Longe um do outro, eles seguiram iguais.
Muita gente explica a personalidade de alguém pela ordem de
nascimento ou pela diferença de idade entre os irmãos. O senso comum diz que os
primôgenitos são mais independentes; os do meio, rebeldes; os temporões,
precoces. O historiador Frank Sulloway, da Universidade da Califórnia, tem
estudos nessa linha. Ele analisou a ordem de nascimento de mais de 6 mil
personalidades mundiais e concluiu que os filhos mais velhos são mais
conservadores, já os mais novos são os criativos e revolucionários ? é 18 vezes
mais fácil achar um revolucionário caçula que um primogênito.
A pesquisa de Sulloway mostra só um padrão de comportamento (ele
não propõe uma lei da natureza), mas contribui para o que se chama de Teoria
dos Nichos, tese mais aceita para explicar a diferença entre irmãos. Em casa, a
criança procura desempenhar um papel diferente dos irmãos mais velhos. Se um
irmão se destaca como esportista, ela pode se apegar mais aos livros. Se um é
mais apegado à mãe, a filha do meio pode ser mais independente.
Steven Pinker, psicólogo evolucionista e professor da Universidade
Harvard, acredita que a variação de personalidade se resume numa palavra:
acaso. ?Falo de acasos como um bebê que cai de cabeça no chão sem querer, um
vírus que ele pega, um pensamento que deixe uma impressão permanente. Esses
fatores podem ter uma influência tão grande no que somos quanto os genes, uma
influência muito maior do que os pais?, afirma ele no livro Tábula Rasa.
É possível mudar nosso jeito de
ser?
Sim. Na verdade, mudamos nossa personalidade a toda hora. Agimos
de modos diferentes com pessoas de idade, sexo ou posição social diferentes.
Você já deve ter passado pela sensação de ser amigável e inteligente com alguém
que o deixa confortável e agir do modo contrário com quem o desafia. Além
disso, a nossa personalidade depende do que os outros acham: você pode ser
chato para uma pessoa, mas gente boa ou confiável para quem o conhece melhor.
?O homem tem tantos eus quantos são os indivíduos que o reconhecem?, disse em
1890 o psicólogo William James, um dos primeiros a estudar a personalidade.
Mas é claro que há comportamentos e atitudes que são muito
difíceis de largar. Somente 10% das pessoas com pontes de safena mudam hábitos
alimentares e deixam o sedentarismo. As outras acabam morrendo de ataque cardíaco
simplesmente porque não conseguem mudar. Muitas vezes um pai que bate na mulher
e nos filhos promete a si mesmo parar com as agressões, mas não consegue.
Talvez os genes favoreçam o comportamento impulsivo ? e não é nada fácil ir
contra a própria composição genética. Ou então, olhando pelo lado da
psicologia, somos tão arraigados à referência dos nossos pais e às experiências
da infância que esses traços viram nossa identidade. Se é assim, fica difícil
até perceber o próprio modo de ser.
Mesmo assim, dá para mudar. ?Não existe nenhuma pesquisa
científica que mostre que o ser humano não tem jeito?, diz Mariângela Gentil
Savoia, psicóloga do Hospital das Clínicas de São Paulo. De ter consciência de
si próprio, um traço bem arraigado à personalidade, atribuir a ele uma causa,
vencer derrotismos e apegos, vão anos, se não uma vida toda. Mas talvez o
caminho de nos conhecer, mudar o que for possível e nos contentar com o que
somos seja o grande desafio da vida.
O gordinho engraçado
Este tipo comum é um bom exemplo da teoria da americana Judith
Harris, para quem a relação entre os iguais é o fator que mais influencia a
personalidade. Entre os vizinhos e os amigos da escola, a criança busca um
jeito de receber atenção e ganhar destaque. Se não é o mais bonito ou o mais
forte do grupo, conquista o carinho de todos de outro jeito: contando piadas.
A bonita e burra
A moça que nasce mais bonita que a média pode ter mais carinho dos
pais (que tratam, sim, cada filho de forma diferente) e ser facilmente aceita
entre os amigos. Mas essa herança pode ter um lado ruim: atraindo a atenção
pela beleza, ela talvez não desenvolva artimanhas para se destacar, correndo o
risco de ficar vazia e desinteressante.
Tímido e inteligente
Por que algumas pessoas são abertas e sociáveis enquanto outras
são quietas e tímidas? Uma explicação é o jeito com que nossos pais nos ensinam
os sentimentos. O rapaz inteligente e introvertido pode ter aprendido com o pai
a ser frio e distante.
Gêmeas e diferentes
Gêmeos idênticos têm exatamente o mesmo DNA e foram educados de
forma parecida. Então por que são tão diferentes? A explicação mais aceita é a
Teoria dos Nichos: disputando a atenção dos pais, os irmãos adotam papéis
diversos. Um serve de referência do contrário para o outro.
O médico altruísta
Para a psicanálise tradicional, tentamos repetir na vida adulta as
experiências da infância. Imagine um garoto que nasceu pouco antes de o pai
morrer e que, por isso, foi admirado como uma compensação pela mãe e pelos
avós. Ao escolher a profissão, ele pode ter gostado da idéia de ser admirado ?
como um médico que faz tudo pelos pacientes.
Por Mariana Sgarioni e
Leandro Narloch in Revista Super Interessante
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