O que faz uma pessoa se mais inteligente
que outra? Quais são os limites do cérebro? Dá para aumentar o poder da sua
mente? Você vai ver as respostas para essas e outras questões nas próximas páginas.
E a viagem começa com a pergunta fundamental: o que é a inteligência
Ganhar uma partida de xadrez, escrever um
romance, compor uma sinfonia, convencer uma multidão, contar a piada perfeita.
São coisas que vêm tão rápido à mente quando se fala de inteligência quanto a
imagem de um relógio se movendo ao pensarmos no tempo. Mas experimente gastar
um ou dois minutos refletindo sobre o que há de comum entre essas habilidades.
De uma hora para outra, a idéia clara que se tem da inteligência começa a se
dissipar. Quanto mais se pensa, mais parece não haver ligação direta entre
raciocínio matemático, criação de personagens e melodias ou talento para
persuasão e comédia. Refletir sobre a inteligência desse ponto de vista gera
uma sensação semelhante à que temos ao ouvir a pergunta “O que é o tempo?”
Antes da pergunta, sabemos exatamente o que é. Depois dela, não sabemos mais.
Se quisermos entender o que é a inteligência, é preciso contornar esse tipo
dificuldade. E uma boa estratégia para isso é ir direto à fonte: entender o
cérebro.
Agora mesmo uma tempestade elétrica se
alastra pelo 1,4 quilo de massa gelatinosa aí atrás da sua testa. É esse
movimento caótico de sinais por uma rede de 100 bilhões de neurônios que produz
seus pensamentos. Das profundezas desse órgão, surge o que chamamos de
inteligência. Mas, se você pensa que o processador de informações mais avançado
do Universo foi projetado de um jeito elegante, está enganado. O cérebro humano
é uma obra feita nas coxas.
Uma obra que começou em vermes
microscópicos, quando um punhado de células especializadas em enxergar se
juntou numa das extremidades do bicho. Foi assim que surgiu o ancestral daquilo
a que chamamos cabeça: um mero receptáculo de células nervosas responsáveis por
captar luz e mover o animal. Com o tempo, essa massa de neurônios, e a
complexidade com a qual eles se conectam, cresceu. E aconteceu um milagre.
Animais que reagiam automaticamente a estímulos exteriores passaram a se
comportar de um jeito mais complexo e imprevisível. Em vez de responder
cegamente a qualquer estímulo, começaram a repetir apenas os movimentos mais
eficazes na luta pela sobrevivência – por exemplo: em vez de caçar qualquer
coisa que se mexesse, passaram a selecionar suas presas entre as mais nutritivas
e fáceis de abater. Esse talento para identificar acertos é a origem daquilo
que chamamos aprendizagem.
As vantagens que ela trouxe lançaram os
seres vivos numa corrida em busca do maior e mais versátil cérebro. Mas os
organismos que entraram na disputa enfrentaram um sério problema. Na evolução
biológica, é impossível traçar um plano novo de construção de órgão do zero,
pois herdamos as instruções básicas para a obra que estão nos genes dos nossos
pais. O resultado disso é que o cérebro foi crescendo meio no improviso, com
“puxadinhos” se amontoando a partir de uma estrutura básica. Essa é a
verdadeira história do cérebro: uma sucessão de gambiarras bem-feitas. E nem
precisamos ir longe para entender isso. Quem tenta se concentrar em fazer uma
prova, mas ao mesmo tempo não consegue tirar os olhos da(o) mocinha(o) ao lado
experimenta sentimentos e pensamentos tão pouco relacionados que aparentam ter
sido juntados aleatoriamente uns com os outros. Foram mesmo. “Existe uma série
imperfeita de conexões entre os sistemas cognitivos e emocionais”, afirma o
neurocientista Joseph Le Doux. “Essa situação é parte do preço que pagamos por
termos capacidades que ainda não foram plenamente integradas ao nosso cérebro.”
Quantas são essas capacidades e como elas
se relacionam são questões centrais para definir o que é a inteligência, mas
ninguém ainda tem uma resposta exata para elas. Se você está em busca de um
meio objetivo de medir a inteligência, será obrigado a deixar o cérebro de lado
e estudar uma área com mais de um século de tradição: a psicometria.
O
tamanho da inteligência
Paris, começo do século 20. O psicólogo
Alfred Binet recebe uma tarefa do ministro da Educação da França: encontrar um
meio de prever quais crianças vindas do interior do país teriam mais possibilidade
de enfrentar dificuldades na escola – o governo queria oferecer educação
especial a elas. Em 1905, ele publica um teste de raciocínio verbal e
matemático, com questões que testam a memória e o potencial de resolver
problemas de lógica. O objetivo de Binet era medir a capacidade de compreensão
pura e simples, não o conhecimento prévio, colocando em pé de igualdade
crianças que só sabiam capinar mato com as que recitavam Shakespeare. Pouco
depois, o alemão Wilhelm Stern criou um sistema de pontuação-padrão para o
teste e lhe deu o nome de Intelligenz-Quotient. Nascia o método mais-bem
sucedido da história para medir a inteligência: o famoso teste de QI. E ele
revolucionaria o que entendemos como inteligência. Até então a maior parte dos
estudiosos entendia o nosso intelecto a partir do conceito da tabula rasa, – a
idéia do filósofo John Locke de que a mente humana é uma folha em branco que
vai sendo preenchida durante a vida. Com a adoção dos testes de QI, esse ponto
de vista perdeu terreno – afinal, se uma criança semi-analfabeta podia
apresentar um QI maior que uma instruída, essa história de folha em branco era
uma furada. E a inteligência passou a ser considerada cada vez mais como algo
inato, como um mero produto do que está escrito nos genes. “O fato de que a
maior questão atual sobre inteligência é se o QI depende 50% ou 80% dos genes
mostra o quanto o debate mudou”, afirma o geneticista Marc McGull.
Mas, afinal, como uma característica que
parece depender tanto do aprendizado pode estar definida ainda antes do
nascimento? Na verdade, logo ao nascer a relação entre o QI e nossos genes não
é assim tão evidente. Apenas 20% da inteligência dos bebês pode ser prevista a
partir de fatores genéticos (é o que mostra estudos com pais e filhos). Só que,
quanto mais passa o tempo, mais aumenta o poder de previsão deles. Na infância,
ele sobe para 40%. Na fase adulta, decola para 60%. E após a meia-idade pode
chegar a 80%. Esses dados mostram que os genes responsáveis pela inteligência
podem ser vistos como uma espécie de balde, e o aprendizado durante a vida como
a água que enche o balde. Ter mais educação vai levar você mais rápido a encher
o balde de água. Mas, caso ele seja muito raso, não vai adiantar jogar muita
água lá. Ou seja: nem toda a educação do mundo poderá tornar realmente
brilhante alguém que nasceu com a inteligência apagada. Só que esse efeito tem
um lado positivo: se você tiver vocação genética para ser um físico quântico ou
coisa que o valha, tem como conseguir isso mesmo sem ter tido uma instrução boa
na infância. Mas até que ponto o QI pode mesmo determinar a capacidade da
mente?
Mil e
uma habilidades
Alguns psicólogos acham que não, os testes
de QI não dizem grande coisa. Uma importante ruptura veio com o livro
Inteligência Emocional, do psicólogo Daniel Goleman. Ele ressaltou que
habilidades como regular os próprios sentimentos, compreender emoções alheias,
ser capaz de trabalhar em grupo e sentir empatia pelos outros eram
completamente ignoradas nos testes de QI. O que não fazia sentido, já que essas
habilidades deveriam fazer parte daquilo que chamamos de inteligência. Outra
ofensiva veio do psicólogo Howard Gardner, autor da Teoria das Inteligências
Múltiplas. Ele inspirou-se no modo como a neurociência vê o cérebro hoje: um
conjunto de vários módulos distintos, ou “puxadinhos”, que evoluíram
separadamente e hoje funcionam como processadores para funções específicas. Com
isso em mente, Gardner concluiu que a inteligência não é um conceito único,
indivisível, mas uma soma de várias habilidades – como raciocínio
lógico-matemático, lingüístico, espacial, musical, intrapessoal, interpessoal,
motor e naturalista (veja nas páginas anteriores o que é o quê).
Assim, a idéia de colocar um Stephen
Hawking, um Ronaldinho Gaúcho e uma Hebe Camargo em pé de igualdade no quesito
inteligência deixou de soar estranha. Pela teoria de Gardner, cada um deles
pode ser considerado especialista em um tipo de habilidade (respectivamente, a
lógico-matemática, a motora e a interpessoal). E por isso não daria para considerar
qualquer um deles menos genial que o outro.
Talvez por parecer mais democrática que os
testes de QI, a idéia de Gardner se tornou extremamente popular desde que foi
publicada, em 1983. Tanto que hoje é senso comum achar que ela está certa, e
que o quociente de inteligência tradicional ficou ultrapassado. Mas no meio
acadêmico é diferente: a Teoria das Inteligências Múltiplas ainda é vista como
um patinho feio e enfrenta muitas críticas. Principalmente porque nem Gardner
nem ninguém sabe ao certo como medir cada uma dessas habilidades que formariam
a inteligência. “Não fica claro se o conceito de inteligência de Gardner mede
mais traços de personalidade e habilidades motoras que faculdades mentais de
fato”, afirma Linda S. Gottfredson, professora de estudos educacionais da
Universidade de Delaware.
Ela é um dos muitos entusiastas do fator
“g” (de “inteligência geral”). Segundo essa teoria, baseada em estatísticas, a
idéia de que várias habilidades cognitivas estejam disseminadas uniformemente
pela população é falsa. Ou seja, não existem muitas pessoas excelentes em
cálculo e ao mesmo tempo péssimas em redigir textos, ou com bom ouvido musical
e pouca inteligência interpessoal. Se uma pessoa for boa em qualquer dessas
habilidades, tende a ser boa também nas outras.
Essa essência da teoria do fator g, porém,
não é nova. Ela está por trás da própria idéia do QI . Tudo bem que os testes
não medem coisas como coordenação motora, mas é verdade que eles avaliam tipos
diferentes de raciocínio (para entender melhor, faça um teste parecido a partir
da página 76). E a pontuação final vai levar em conta o seu desempenho em todos
eles. Além disso, dá para comparar milhares de resultados de épocas e lugares
diferentes, o que dá uma bela base estatística se o ponto é saber qual é o
tamanho da sua inteligência em relação à dos outros. Então, mesmo com suas
limitações, os testes tradicionais continuam sendo quase unanimidade no meio
científico. “Ninguém duvida de que eles não avaliam todos os aspectos
importantes das funções mentais – não medem a criatividade ou a sabedoria, por
exemplo. Mas o ponto é que isso não é o mesmo que afirmar que eles não servem
para nada”, afirma o psicólogo Ian J. Deary.
Mesmo assim, a necessidade de expandir o
conceito de inteligência para além das fronteiras dos testes de QI continua.
Afinal, pouca gente duvida de que a criatividade, algo muito difícil de medir
objetivamente, é um inegável sinal de inteligência. Diante dessa espécie de
tilt dos testes mentais, o que dá para fazer? Com a palavra Howard Gardner:
“Nós, psicólogos, não somos mais os donos da inteligência, se é que algum dia
já fomos. O que significa ser inteligente é uma questão filosófica profunda,
que exige base em biologia, física e matemática”. Ou seja, exige que voltemos
ao lugar onde começamos essa história: para dentro do cérebro.
Inteligência
= demência?
Para muitos neurologistas, a inteligência
é só um sinal de que você tem um cérebro com a “fiação” bem conectada. Quanto
mais saudável ele for, mais coisas extraordinárias vai fazer. Mas espere aí. Às
vezes o que acontece é justamente o contrário. É o que mostra um experimento
sem paralelo que acontece na Austrália: pesquisadores lançam pulsos
eletromagnéticos no crânio de pessoas para desligar partes do cérebro e
observar o que acontece com as capacidades cognitivas. E o resultado é
espantoso: as cobaias humanas começam a desenhar melhor, ter memória mais
rápida, mais habilidade musical ou um raciocínio numérico mais apurado. A
questão é: se partes do cérebro estão sendo desligadas, por que a mente parece
funcionar melhor, e não pior? Se está interessado em saber a resposta, basta
virar esta página. Vai conhecer os cérebros mais fascinantes do planeta,
verdadeiros telescópios para decifrar o que é a inteligência.
Manual
do QI
O quociente de inteligência é relativo: se
você tira 100 num teste, significa que o seu está na média de todas as pessoas
que fizeram a mesma prova. Mas cada teste usa uma escala diferente, então um QI
de 142 em um pode significar 132 pontos em outro. A Mensa, uma “sociedade de
gênios” em que só pode entrar quem tiver QI superior ao de 98% da população,
costuma estipular 150 como QI de corte. Se você quiser entrar para um grupo
desses e tiver bala na agulha, tem uma solução: viajar no tempo. A média nos
testes aumenta 25 pontos a cada geração – o psicólogo americano James R. Flynn,
que detectou o fenómeno, credita isso a melhorias na alimentação e na
infra-estrutura básica nos últimos 100 anos. Isso significa que um sujeito
normal de hoje teria QI de génio nos anos 50. Tire o DeLorean da garagem!
A
mente multiplicada
A Teoria das Inteligências Múltiplas é um
desafio à idéia de que o QI representa uma medida direta da inteligência.
Segundo o psicólogo Howard Gardner, a nossa inteligência é o resultado de 8
processadores mentais diferentes dentro do cérebro, cada um deles responsável
por uma habilidade:
Lógico-matemática
É a habilidade de resolver problemas a
partir da lógica, realizar operações matemáticas e investigar questões
científicas. Bastante desenvolvida em cientistas.
Linguística
Sensibilidade para língua falada e
escrita, capacidade para aprender línguas e de usar a lábia para alcançar os
próprios objetivos. Encontrada em escritores, locutores e advogados.
Musical
Semelhante à inteligência lingüística, só
que relacionada a sons. É a habilidade de compor e apreciar padrões musicais.
Bastante rica em compositores, cantores, dançarinos e maestros.
Espacial
Habilidade de reconhecer e manipular
padrões no espaço. É útil para quem trabalha com a coordenação motora e tem de
compreender o mundo visual. Bem desenvolvida em arquitetos.
Físico-cinestésica
É o tipo de inteligência usada para
resolver problemas e executar movimentos complexos com o próprio corpo. Você a
encontra em dançarinos, mímicos e esportistas.
Interpessoal
É a capacidade de entender as intenções
dos outros. Bastante necessária a quem coordena e executa trabalhos em grupo. É
encontrada em vendedores, políticos, professores, clínicos e atores.
Intrapessoal
É a habilidade de olhar para dentro de si
mesmo e entender as próprias intenções, objetivos e emoções. Necessária para
encontrar erros no próprio raciocínio. Presente em psicólogos, filósofos e
cientistas.
Naturalista
É a sensibilidade para perceber e
organizar fenômenos e padrões da natureza, como a diferença entre plantas quase
idênticas. Costuma ser encontrada em biólogos e membros de tribos indígenas.
Texto de Rodrigo Rezende in Revista Super Interessante
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