22 janeiro, 2016

O rosto nunca mente



Armindo Freitas-Magalhães é professor, psicólogo, fundador e atual diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa (UFP), no Porto
 O especialista defende, há anos, a adoção dos métodos e técnicas de análise da expressão facial da emoção no sistema judiciário.
A Psicologia das Emoções: O Fascínio do Rosto Humano é um livro do professor Armindo Freitas-Magalhães publicado em 2007

A face diz tudo, e por vezes grita muito para que lhe prestem atenção e vejam que o que lá está é o palco da vida onde o cérebro se exibe e representa", diz Armindo Freitas-Magalhães 

QUEM VÊ CARAS, VÊ CORAÇÕES? ARMINDO FREITAS-MAGALHÃES ACREDITA QUE SIM. E pôr em causa um velho provérbio português não é algo para ser feito de ânimo leve, mas com o apoio científico. Quando mentimos, não usamos apenas a boca (...)".

ENTREVISTA


A importância do estudo do rosto e das expressões assume potencial relevância no contexto das investigações judiciárias. Em Portugal esta avaliação já é considerada?

Submeti, em 2011, uma proposta à ministra da Justiça para a adoção dos métodos e técnicas de análise da expressão facial da emoção no contexto judiciário (em inquirições e interrogatórios). A proposta foi submetida na decorrência da revisão do Código Penal e do Código do Processo Penal, entretanto aprovados. Antes não era legal a gravação das inquirições e interrogatórios em investigação criminal. Agora já é possível. A proposta inclui a criação da Agência Nacional da Avaliação da Expressão Facial da Emoção, e na decorrência de 11 anos de existência do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, único em Portugal, e está nas mãos da Senhora Ministra da Justiça. Aguardo a sua resposta.

Que países já o fazem e com que resultados?

Por exemplo, os Estados Unidos e o Reino Unido, e com excelentes resultados. A ausência deste método é uma falha grave no sistema judiciário português. Nos EUA é utilizado há mais de 35 anos pelo FBI e pela CIA, sendo considerado um instrumento muito fiável em todo o mundo.
Os interrogatórios e inquirições policiais e judiciais deviam ser gravados em vídeo para análise posterior, contribuindo para o esclarecimento da importância daquilo que não se diz, e que se revela, quase sempre, a parte essencial probatória. É preciso ver com "olhos científicos". 

Se o soubermos avaliar, o rosto não mente?
A face nunca mente, mesmo quando alguém pretende fazer passar uma verdade quando tal não é. A face não consegue exibir, ao mesmo tempo, duas emoções básicas. Temos marcadores científicos para avaliar e verificar as denominadas incongruências emocionais e, daí, distinguir quando a face nos diz que a pessoa não está a sentir o que, de facto, quer mostrar e dar a entender que sente.

Quais os mecanismos faciais/expressivos por trás de uma mentira? É mais relevante a atenção à voz, a um sorriso fora do contexto, por exemplo, ao olhar?...

Há vários sinais e vestígios. Eu descrevo todo o complexo processo no meu livro "The Face of Lies" (edição inglesa). Os mais avaliados passam pelos movimentos faciais, principalmente ao nível das microexpressões. O cérebro não permite duas emoções em simultâneo na face. É sequencial. Quando há duas emoções em milésimos de segundo, detetam-se incongruências emocionais, que revelam a mentira.
O cérebro quer dizer a verdade e ao mesmo tempo quer mentir  É possível verificar que alguns músculos se contraem em situação de incongruência, o sorriso falso, e a entoação e o timbre da voz, e o olhar. Porém, é imperativa a aplicação do Facial Action Coding System (FACS, criado pelo meu amigo Paul Ekman em 1978, e que foi objeto de uma ligeira revisão em 2002), um instrumento científico, utilizado pela comunidade científica, em todo o mundo, para avaliação dos movimentos faciais através da observação de 44 unidades de ação muscular.

Nesta matéria há especificidades culturais, ou as conclusões obtidas são universais?

As emoções básicas são universais. Existem regras de exibição em função de determinada cultura que vão moldar o aparecimento da expressão. A emoção é a mesma, o que muda é apenas a forma da exibição tendo em conta a variável moderadora cultura.
As outras variáveis moderadoras da expressão facial da emoção são o género (mulher/homem, a mulher sorri mais do que o homem) e a idade (por exemplo, sorrimos mais na idade reprodutiva e sorriamos menos na idade da senescência).

É irresistível falar de alguns casos mediáticos, pela tentação de perceber o que vê um especialista nos rostos de algumas pessoas envolvidas nesses casos, como, inevitavelmente, o de Maddie McCann ou outros que lhe ocorram. Quer comentar?

Estou seguro que a utilização dos métodos e técnicas de análise da expressão facial da emoção contribuiria, decisivamente, para o esclarecimento de muitos casos. Por exemplo, há mais de um ano, disse num programa de televisão que a pessoa que se diz ser o "Estripador de Lisboa" estava a mentir. E um tribunal superior veio, um ano depois, dar-me razão.
E há outros casos, muitos casos, e dos quais falei publicamente, nos quais a aplicação dos marcadores científicos da avaliação da expressão facial da emoção, como funciona com o ADN, os resolveria. Estamos a falar de um método e de uma técnica validados cientificamente há dezenas de anos, e através de milhares de estudos.

De onde lhe vem o fascínio por esta área?

Do sorriso de uma mulher, a minha, há cerca de 28 anos. Foi pelo sorriso, esse fenómeno que, a par da amamentação, é um dos principais reguladores do psiquismo humano, que eu comecei a viagem fascinante e pioneira pela cartografia da face humana. Eu costumo dizer que a face, a parte do corpo que mais mostramos durante a vida, é o grande atlas da emoção humana.
A face diz tudo, e por vezes grita muito para que lhe prestem atenção e vejam que o que lá está é o palco da vida onde o cérebro se exibe e representa.



Sem comentários:

Enviar um comentário